segunda-feira, 26 de março de 2012

Professor Aziz Ab’Saber: registro de uma ‘aula magna’

‘Falta ao jornalista formação interdisciplinar, conhecimento geográfico, para habilitá-lo a lidar com ciência. Estudantes de graduação: viajem pelo Brasil!’, declarava o geógrafo em 2010 

 

O professor Aziz Ab’Saber em palestra na USP, em 23 de março de 2010 (FOTO: NJR/ECA/USP)

 

O geógrafo e professor emérito da USP Aziz Nacib Ab’Saber, falecido aos 87 anos no último dia 16, foi também um dos maiores ambientalistas de nosso país. 

 

Este blogueiro teve o privilégio de assistir uma palestra proferida por Ab’Saber há dois anos – no Curso de Especialização em Divulgação Científica do Núcleo José Reis – cuja resenha reproduzimos abaixo. 

 

Na verdade, foi uma “aula magna” sobre arqueologia, evolucionismo e geografia. Um registro que publicamos em memória deste grande brasileiro, que, ao nos deixar, deixou o Brasil um pouco menos inteligente.

 

O professor Ab’Saber começou sua palestra narrando uma expedição científica à Gruta Lapa Vermelha, em Minas Gerais, nas redondezas de Belo Horizonte. Ao chegar à gruta, observou cactos com idade entre 10 e 12 mil anos, “vestígios de civilização indígena”, afirmou. 

 

Sobre o fóssil de uma mulher encontrada “numa espécie de banheira” na entrada da gruta ele aventou duas hipóteses, que explicariam o que teria sido um “acidente fatal”. 

 

A primeira era a de que os homens da tribo local haviam passado muito tempo ausentes, em guerra, e a mulher – por falta de alimentação e consequente fraqueza – caíra desfalecida e ali mesmo padecera, sem forças para se reerguer. 

 

A segunda hipótese era a de que algum povo nômade, fugindo de aéreas frias, ao chegar à América tropical (penetrando longos trechos insulares) acabou se deparando com a gruta. A mulher teria sido uma espécie de “guardiã” do local, e havia sido atacada por um desses povos nômades. 

 

Nessa ótica, o professor Ab’Saber destacou que “as guerras não ocorriam apenas por uma razão social, mas também por razões ecológicas”, daí a importância das grutas, que seriam muito cobiçadas naquele contexto. 

 

Em seguida, o geógrafo traçou um roteiro pré-histórico, começando pelo período compreendido entre 23 e 12 mil anos A.P. (Antes do Presente), “último período glacial importante”, afirmou. 

 

Nesse período, as águas eram transportadas do oceano e armazenadas nas geleiras. Em alguns lugares o frio predominou; no Brasil, inclusive, a situação foi complexa porque, com a chegada do frio intenso, nossas matas – que dependiam de calor e umidade – sofreram uma fragmentação importante, explicou o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP. 

 

Ab’Saber passou, então, a abordar o processo civilizatório, destacando a importância da religião, que estaria à raiz desse processo. Citou Abraão e os mandamentos deixados por ele, os quais teriam “servido para os bárbaros se civilizarem”. Mencionou também o próprio Jesus Cristo, e lembra que no Brasil uma das personalidades que mais contribuíram para a evolução de nossa civilização foi o padre José de Anchieta, afirmou. 

 

Narrou a passagem de Darwin pela América tropical, quando de sua viagem pelo mundo. Ao chegar ao Arquipélago de Galápagos, o evolucionista se admirou com a enorme variedade de tartarugas, de ilha para ilha, que teria sido “descrita com precisão por nativos de uma das ilhas”, destacou o geógrafo.

 

Darwin explicou o fenômeno como fruto de uma evolução – ocorrida entre 6.500 e 6.000 A.P. – em razão da elevação do nível do mar. Num primeiro momento, o nível das águas teria descido, e ilhotas teriam se emendado, dando lugar a um tipo de maciço. Depois, as águas teriam subido até a altura de cerca de 3 metros (como é hoje), formando as ilhas do arquipélago. Era a teoria darwiniana dos “refúgios insulares”, explicou Ab’Saber. 

 

Voltando à Gruta Lapa Vermelha, o professor emérito da USP levantou o seguinte questionamento: como teria sido o ambiente climático na época da sua sedimentação? Descobriu durante sua expedição uma linha de pedras (stone line) no solo, a qual seria “muito importante para explicar a formação da gruta”. 

 

Então passou a contar outra viagem sua, “com doze dos maiores geógrafos e geomorfologistas franceses”, do Rio de Janeiro até Itatiaia, na qual observaram uma outra stone line, “bem visível, num barranco cortado à beira da estrada”. 

 

Fazendo um paralelo entre essas linhas de pedra e o solo pedregoso da caatinga do Nordeste – “onde as raízes dos arbustos penetram os seixos em busca de nutrientes” – Ab’Saber concluiu que provavelmente o lugar onde aparecem as linhas de pedra foram no passado algum tipo de caatinga ou de cerrado raso. Ou seja, “pela gênese da stone line se poderia conhecer o ambiente climático dos  povos mais antigos”, prosseguiu. 

 

Enveredou por outro assunto (ecologia), ressaltando um novo conceito para ecossistema: “sistema ecológico no meio de um lugar, de qualquer tamanho, dentro de um certo espaço”. Afirmou que o estudo de um ecossitema pressupõe a análise de três aspectos: o suporte ecológico (formação do solo), a biota (sedimentação de vegetais, animais e microorganismos) e a dinâmica climática regional. 

 

E passou a narrar sua experiência no estudo de uma “célula espacial” na Amazônia, mais especificamente, no Golfo Marajoara, formado pela embocadura norte e sudeste do Rio Amazonas e pelo Estreito de Brevis. 

 

Falou sobre as especulações científicas sobre a existência de um delta ou de um estuário naquele lugar. Para ele, “no estuário da desembocadura norte do Rio Amazonas teria havido um delta, já que no lado oeste ainda haveria colinas e vegetação florestal”, disse. 

 

Na medida em que o mar recuava, a erosão escavava, trazendo muito sedimento e formando o delta. Destacou que “o Amazonas é o rio mais argiloso do mundo, formado por afluentes negros, brancos e verdaços”, responsáveis pelas cores do rio. 

 

Comentou, ainda, que era comum perceber no Estreito de Brevis troncos de madeira com diâmetros médios de até 1,5 m, vendidos no exterior como “madeira certificada”. 

 

O professor Aziz Ab’Saber concluiu sua palestra deixando uma mensagem aos jornalistas [e divulgadores científicos], sobre a necessidade de a Ciência da Terra se desenvolver no Brasil. 

 

E fez um apelo a todos, mas principalmente aos estudantes de graduação de todas as Universidades do país: viajem pelo Brasil!

Um comentário:

  1. Bom dia!

    Gostaria que hoje o Brasil produzisse personalidades como o emérito Prof. Aziz Ab' Saber. Pois como também professor de geografia fica minha saudade desse grande humanista e visionário professor. Que riqueza perdemos! Essa aula magna nos faz mencionarmos o quanto Ab'Saber contribuiu para a ciência e para o povo brasileiro. Mas é lamentável que ele muitas vezes não foi respeitado e ouvido por muitos de nossos homens públicos.

    Prof. Marcilio Nascimento - Aliança - PE

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