'Mereceria cadeia não só pela violência sexual contra Nafissatou Diallo, mas pelo estupro econômico ao povo, que ele articulava a partir do FMI', diz teólogo
Dominique Strauss-Kahn em charge francesa: DSK ACUSADO DE VIOLENTAR UMA CAMAREIRA -
Eu podia ter pago por uma puta de luxo, mas isto não me soava muito "de esquerda"
http://www.facebook.com/notes/mister-hyde/dsk-accus%C3%A9-de-viol/222088711137609
Em artigo publicado no último dia 4 no site www.cartamaior.com.br, o teólogo e escritor Leonardo Boff traça um paralelo entre o episódio que envolveu a prisão do ex-diretor do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, e sua atuação naquela instituição.
E fustiga grande parte da imprensa francesa: “com cinismo e indisfarçável machismo, procurou esconder o fato, alegando até uma possível armadilha contra o futuro candidato socialista à Presidência da República”, diz Boff.
Strauss-Kahn: uma metáfora das práticas do FMI
Por Leonardo Boff
O leitor ou leitora pensará que foi uma tragédia o fato de o diretor-gerente do FMI, Strauss-Kahn, ter dado asas ao seu vício, a obsessiva busca por sexo perverso, nu, correndo atrás de uma camareira negra na suíte 2806 do hotel Sofitel em Nova York, até agarrá-la e forçá-la a praticar sexo, com detalhes que a Promotoria de Nova York descreve em detalhes e que, por decência, me dispenso de dizer.
Para ele não era uma tragédia. Era uma vítima a mais, entre outras, que fez pelo mundo afora. Vestiu-se e foi direto para o aeroporto. O cômico foi que, imbecil, esqueceu o celular na suíte e assim pôde ser preso pela polícia ainda dentro do avião.
A tragédia ocorreu não com ele, mas com a vítima que ninguém se interessa em saber. Seu nome é Nifissatou Diallo, da Guiné, africana, muçulmana, viúva e mãe de uma filha de 15 anos. A polícia encontrou-a escondida atrás de um armário, chorando e vomitando, traumatizada pela violência sofrida pelo hóspede da suíte, cujo nome sequer conhecia.
A maior parte da imprensa francesa, com cinismo e indisfarçável machismo, procurou esconder o fato, alegando até uma possível armadilha contra o futuro candidato socialista à Presidência da República. O ex-ministro da cultura e educação, Jacques Lang, de quem se poderia esperar algum esprit de finesse, com desprezo, afirmou: "Afinal não morreu ninguém".
Que deixe uma mulher psicologicamente destruída pela brutalidade do Mr. Strauss-Kahn não conta muito. Finalmente, para essa gente, se trata apenas de uma mulher e africana. Mulher conta alguma coisa para este tipo de mentalidade atrasada, senão para ser mero "objeto de cama e mesa"?
Para sermos justos, temos que ver este fato a partir do olhar da vítima. Aí dimensionamos seu sofrimento e a humilhação de tantas mulheres no mundo que são sequestradas, violadas e vendidas como escravas do sexo.
Só uma sociedade que perdeu todo o sentido de dignidade e se brutalizou pela predominância de uma concepção materialista de vida que faz tudo ser objeto e mercadoria, pode possibilitar tal prática.
Hoje, tudo virou mercadoria e ocasião de ganho desde os bens comuns da humanidade, privatizados (commons como água, solos, sementes), até órgãos humanos, crianças e mulheres prostituídas.
Se Marx visse esta situação ficaria seguramente escandalizado, pois para ele o capital vive da exploração da força de trabalho, mas não da venda de vidas. No entanto, já em 1847 na Miséria da Filosofia intuía:
"Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico e podia alienar-se. O tempo em que as próprias coisas que até então eram comunicadas, mas jamais trocadas, dadas, mas jamais vendidas: adquiridas mas jamais compradas como a virtude, o amor, a opinião, a ciência e a consciência, em que tudo passou para o comércio. Reina o tempo da corrupção geral e da venalidade universal....em que tudo é levado ao mercado".
O que ele fez com Nafissatou Diallo é uma metáfora daquilo que estava fazendo com os países em dificuldades financeiras. Mereceria cadeia não só pela violência sexual contra a camareira, mas muito mais pelo estupro econômico ao povo, que ele articulava a partir do FMI. Estamos desolados.
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